segunda-feira, 23 de maio de 2011
Cérebros de músicos e de não-músicos
Numa das experiências, Gaser e Schlaug compararam o cérebro 20 músicos profissionais com 20 músicos amadores e 40 não-músicos. Um músico profissional foi considerado todo aquele cuja profissão fosse ser músico, professor de música, ou que fosse aluno de conservatório de nível elevado. Definiu-se músico amador como aquele que praticasse um instrumento musical, mas que não fosse músico profissional. Um não-músico foi considerado todo aquele que nunca tivesse aprendido um instrumento.
Através de ressonância magnética, verificou-se uma concentração maior de massa cinzenta nos cérebros dos músicos nas áreas motora, pré-motora, parietal superior, temporal inferior e no cerebelo, entre outras.
Havendo uma correlação entre as funções desempenhadas por estas áreas e as técnicas envolvidas no tocar dum instrumento, estes resultados sugerem uma estreita relação entre as habilidades especializadas dos músicos e certas partes do cérebro.
Noutro estudo, pretendeu-se comparar o volume do corpus callosum (CC) de músicos e não-músicos. O CC é uma estrutura localizada entre os dois hemisférios, composta por milhões de projecções axónicas que fazem a ligação entre o hemisfério esquerdo e o direito. A hipótese colocada foi a de que o CC de músicos teria maior volume do que o de não-músicos, visto que os primeiros necessitam de ter uma coordenação precisa de ambos os dedos para tocarem o seu instrumento. Apesar de esta estrutura ser das últimas a maturar no cérebro, só se verificaria um aumento maior do que o esperado se o músico tivesse iniciado os seus estudos ainda criança.
Para tal, Lee, Chen e Schlaug seleccionaram uma amostra de 56 músicos (28 homens e 28 mulheres) e 56 não-músicos, todos destros. Os resultados dados pela máquina de ressonância magnética revelaram que os músicos homens apresentavam um CC de maior volume que os não-músicos, mas que não havia diferença significativa entre as mulheres.
Conclui-se assim que existe, para os homens, uma relação directa entre o volume do CC em músicos e não-músicos, mas que nas mulheres essa relação não se verifica, facto cuja razão ainda não é conhecida.
Referências:
Gaser, C., and G. Schlaug. 2003. Gray matter differences between musicians and nonmusicians. Annals of the New York Academy of Sciences 999:514-517.
Lee, D. J., Y. Chen, and G. Schlaug. 2003. Corpus callosum: musician and gender effects. NeuroReport 14:205-209.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Ouvido Absoluto
Muitas vezes apontada a génios musicais, ouvido absoluto é a capacidade que uma pessoa tem de identificar ou recriar um tom através de um símbolo sem uma ajuda externa. Sabe-se quando uma pessoa possui este atributo quando esta reconhece diferentes tons com facilidade e rapidez, sem qualquer tipo de esforço ou recurso a outros tons memorizados.
Existem três tipos de ouvido absoluto: passivo, activo e muito fino. No primeiro caso a pessoa é capaz de identificar a tonalidade das notas que ouve mas não de as cantar e é comum encontrar esta capacidade em autistas, “idiots savants” e pessoas que possuem Síndrome de Williams. No segundo caso, para além da identificação, já se consegue cantar qualquer nota solicitada sem ter outra como referência. E por último, em casos extremamente raros, uma pessoa reconhece uma nota pelo som como também sabe se está ligeiramente mais aguda ou grave, atendendo ao padrão de afinação comum de 440 Hertz.
O sistema auditivo de uma pessoa normal e de uma que tenha ouvido absoluto não é diferente, quer física quer funcionalmente, contudo as pessoas que tem esta habilidade tendem a demonstrar um desenvolvimento superior nas áreas do cérebro relacionadas com a fala e a linguagem. O que confirma as estatísticas: ouvido absoluto prevalece mais em culturas que se expressam em linguagens tonais, tal como o Mandarim, o Cantonês ou o Vietnamita.
Apesar de também ter uma base genética é o processo de aprendizagem musical que realmente vai estimular esta capacidade pois se não a desenvolvermos enquanto somos jovens, dificilmente se desenvolverá em adulto. Logo também é mais provável que músicos desenvolvam esta capacidade do que não músicos pois estes últimos não estão tão expostos a estímulos.
domingo, 15 de maio de 2011
Preferências musicais dos bebés
Dentro do útero, rodeado por líquido amniótico, o bebé ouve sons. Ouve o batimento cardíaco da mãe, umas vezes mais acelerado, outras vezes mais brando, e também ouve música, como descobriu Alexander Lamont na Universidade de Keele, no Reino Unido, em 2001. Na sua dissertação “Infants’ preferences for familiar and unfamiliar music: A socio-cultural study”, Lamont descreve a experiência que levou a cabo para chegar a esta conclusão.
O sistema auditivo do feto está a funcionar plenamente vinte semanas após a concepção. Na experiência de Lamont, as mães reproduziram repetidamente uma única peça musical para os seus bebés nos últimos três meses de gestação. Obviamente que os bebés também ouviam todos os outros sons do dia-a-dia das mães, incluindo outras músicas, através do filtro aquático do líquido amniótico do útero, mas cada bebé foi regularmente exposto a uma peça musical particular. As peças musicais incluíam música clássica (Mozart, Vivaldi), o Top 40 (Five, Backstreet Boys), reggae (UB40, Ken Boothe) e música do mundo (Spirits of Nature).
Depois de os bebés nascerem, as mães não tinham autorização para lhes passar as músicas da experiência. Um ano depois, Lamont reproduziu-lhes a música que tinham ouvido no útero e uma outra peça musical com o mesmo estilo e andamento. As preferências foram apuradas por uma técnica conhecida por procedimento da orientação condicionada da cabeça: dois altifalantes são colocados num laboratório e o bebé é posto (em regra ao colo da sua mãe) entre os dois altifalantes. Consoante o altifalante para o qual o bebé olhar, começa a tocar uma ou outra música. Rapidamente o bebé aprende que consegue controlar o que está a ser tocado olhando para determinado sítio, isto é, aprende que controla as condições da experiência.
Quando Lamont o fez com os bebés do seu estudo, apercebeu-se que os bebés tendem a olhar durante mais tempo para o altifalante que passa a música que ouviram no útero do que para o altifalante que passa música nova, confirmando que preferem a música a que estiveram expostos na experiência pré-natal. É importante referir que um grupo de controlo de bebés de um ano, que não ouviram quaisquer das músicas, não revelou preferências e permitiu confirmar que nas músicas só por si nada havia que justificasse estes resultados. Lamont descobriu também que os bebés preferem música mais rápida e com uma batida ligeira do que música lenta.
Referências:
D. Levitin, This is Your Brain on Music: the Science of a Human Obsession (Penguin Group Inc., New York, NY, 2006).
A. M. Lamont, “Infants’ preferences for familiar and unfamiliar music: A socio-cultural study” (2001). Paper read at Society for Music Perception and Cognition, Kingston, Ont., 9 Aug 2001.
sábado, 7 de maio de 2011
O meu ouvido musical
Os sons que ouvimos devem-se à conversão de vibrações acústicas no meio em que nos encontramos em sinais eléctricos. Estes, depois, circulam através de neurónios dos nervos, chegando ao cérebro, onde são interpretados.
A questão que daqui surge é: Onde e como ocorre esta conversão?
A resposta está no ouvido interno, que é a ponte entre o exterior e o nosso cérebro musical, onde se formam os sons, e de forma espantosa, a música. Este fantástico processo requer a perfeita adaptação do ouvido interno e do cérebro a este desafio.
Passemos a explicar melhor como nasce o som. Primeiro é preciso notar que este só existe no nosso cérebro, visto que é uma interpretação das alterações que se dão no espaço que nos rodeia. Continuando, as vibrações já mencionadas fazem o tímpano, uma pequena membrana no ouvido, vibrar também, e este, por sua vez, transmite a informação vibracional por parte de minúsculas estruturas ósseas no ouvido interno. Por fim, estas vibrações entram numa estrutura óssea oca, de forma em espiral, chamada cóclea. Esta estrutura tem no seu interior uma membrana, a membrana basilar, composta à superfície por células que captam as vibrações no fluido, que se encontra também no interior da cóclea.
Cada célula tem cílios na sua membrana que se movem consoante as vibrações, resultando na abertura de pequenos poros da membrana celular, onde entram de seguida átomos metálicos do fluido circundante, mudando assim a carga eléctrica da célula. Ao longo da cóclea, diferentes células vão captando diferentes frequências, sendo que desde a sua entrada ao seu final, as frequências captadas pelas células vão de 20.000 Hz a 200 Hz, respectivamente.
Todo este fenómeno produz sinais eléctricos que são transportados pelos neurónios para o cérebro, mais especificamente para o córtex auditivo. Aqui, vários tipos de neurónios específicos para diferentes alturas de som, (diferentes notas), estão organizados de forma extremamente parecida com a organização das notas no piano.
Curiosamente, estes neurónios específicos para cada frequência sonora são um caso único no nosso organismo, visto que não existem neurónios no cérebro que sejam específicos para diferentes sabores, cheiros ou cores: tudo isto evidencia mais uma vez a peculiaridade do ser musical que há em cada um de nós.
quarta-feira, 4 de maio de 2011
A música e a teoria da selecção sexual de Darwin
A maior acha lançada para esta fogueira deve-se ao psicólogo e cientista cognitivo Steven Pinker, em 1997, quando este afirmou no seu livro How The Mind Works, com desdém, que a música não representava qualquer adaptação evolutiva, sendo meramente um “cheesecake auditivo” que se limita a excitar várias partes do cérebro de forma superiormente agradável. Os seres humanos não desenvolveram uma inclinação para o cheesecake, mas sim para as gorduras e açúcares, que foram escassos ao longo da nossa história evolutiva, desenvolvendo assim mecanismos neuronais que fazem disparar os centros de recompensa sempre que os obtemos.
A maioria das actividades fundamentais para a sobrevivência humana, como a alimentação e o sexo, são também agradáveis. Mas, segundo Pinker, nós conseguimos aprender a enganar as actividades originais e ir atingir directamente estes sistemas de recompensa, ingerindo alimentos sem valor nutritivo e tendo relações sexuais sem procriar, por exemplo. Desta mesma maneira, os seres humanos descobriram a música como um comportamento hedonista para accionar um ou mais canais de prazer. “No que diz respeito às causas e efeitos biológicos, a música é inútil. Não mostra sinais de se preparar para atingir um objectivo, como o de ter uma vida longa, netos ou a percepção e previsão exactas do mundo. Ao contrário da linguagem, da visão, da ponderação social e dos conhecimentos físicos, a música poderia desaparecer da espécie pois o nosso estilo de vida permaneceria praticamente inalterado”, afirma este cientista.
Ora, quando uma personalidade tão brilhante e respeitada como Pinker faz uma afirmação destas, a comunidade científica fica alerta, levando alguns cientistas a reavaliar a tese acerca da natureza evolutiva da música que consideravam inquestionável. Daniel Levitin, neurocientista e psicólogo cognitivo, escritor, músico e produtor, foi um dos cientistas que, tendo uma opinião contrária à de Pinker, começou a trabalhar no sentido de chegar mais perto da verdade.
No seu livro This Is Your Brain on Music, Levitin apresenta argumentos baseados na teoria da selecção sexual de Darwin, consequência da sua teoria da selecção natural, que o levam a reconhecer um importante papel da música na história evolutiva da espécie humana. Darwin definiu a selecção sexual como a “luta entre indivíduos de um sexo, geralmente os machos, pela posse do outro sexo”, representando assim o processo de escolha de características morfológicas e comportamentais que levavam ao cruzamento bem sucedido. Com aquilo que sabemos hoje, afirmamos que como um organismo tem de se reproduzir para transmitir os seus genes, as qualidades que atraem um parceiro acabarão por ficar codificadas no genoma.
A questão prende-se com “será que a música pode desempenhar algum papel na selecção sexual?”. O próprio Darwin estava convencido que sim. Na sua obra A Origem Humana e a Selecção Sexual escreveu: “Concluo que as notas musicais e o ritmo foram pela primeira vez adquiridos pelos progenitores macho ou fêmea da humanidade a bem da sedução do sexo oposto. Portanto, os tons musicais tornaram-se firmemente associados a algumas das paixões mais fortes que um animal é capaz de sentir e, consequentemente, são usados instintivamente […]”. A música pode então indicar a aptidão biológica e sexual, servindo para atrair parceiros. Darwin acreditava que a música precedeu a fala como forma de cortejar, e equiparava-a à cauda do pavão. Na sua teoria da selecção sexual, este assumiu o aparecimento de características que, em termos de sobrevivência, o único propósito é tornar-nos atraentes.
O psicólogo cognitivo Geoffrey Miller associou esta noção ao papel que a música desempenha na sociedade contemporânea. No seu livro The Evolution Of Culture, faz referência aos inúmeros casos amorosos e parceiras sexuais que personalidades famosíssimas do mundo da música tiveram, como Mick Jagger (The Rolling Stones), Robert Plant (Led Zeppelin) e Jimi Hendrix. Na verdade, o número de parceiras sexuais das estrelas rock pode ser centenas de vezes maior do que as dum homem comum.
Na selecção sexual, assim como os animais promovem frequentemente a qualidade dos seus genes, corpos e mentes, de forma a atrair o melhor parceiro, também os comportamentos humanos (como a conversação, o humor e a aptidão musical) podem ter-se desenvolvido sobretudo para publicitar a inteligência. Miller sugere que, nos primórdios da nossa espécie, tanto a música como a dança estavam bastante interligadas e quem se mostrasse bem sucedido nestas áreas, provava que tinha comida suficiente e abrigo adequado, pois de outro modo não se poderia dar ao luxo de gastar tanto do precioso tempo a desenvolver estas habilidades. É também com estes argumentos que se justifica a esplendorosa cauda do pavão: o tamanho desta relaciona-se com a sua idade, saúde e condição física global. A cauda colorida assinala que o pavão é saudável e tem metabolismo para gastar e que tem meios de sobra para investir em algo que é puramente exibicionista.
Falando da sociedade contemporânea, tanto vemos pessoas endinheiradas com grandes casas e carros, como pessoas no limiar da pobreza com os mesmos carros luxuosos. A mensagem da selecção sexual é clara: escolhe-me. Para corroborar também esta teoria, temos o facto de que o desejo pela aquisição de carros e outros objectos de valor atinge o seu pico na adolescência, altura em que os indivíduos são mais potentes sexualmente.
Concluindo, hoje em dia, o interesse pela música atinge também o seu ponto máximo na adolescência, o que justifica ainda mais os aspectos de selecção sexual envolvidos na música. É, incomparavelmente, muito mais aos dezanove anos do que aos quarenta que começamos uma banda e tentamos pôr as mãos em música nova, ainda que aos quarenta tenhamos mais tempo para desenvolver a nossa aptidão e preferências musicais. “A música evoluiu e continua a funcionar como uma forma de cortejo, maioritariamente adoptada por jovens machos para atrair as fêmeas”, afirma Miller.
Adaptado de D. Levitin, This is Your Brain on Music: the Science of a Human Obsession (Penguin Group Inc., New York, NY, 2006).
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Improvisação
Intimamente relacionada com a criatividade, a improvisação é também uma parte integrante em vários estilos musicais tais como o Jazz, o Blues ou o Rap. O neurologista Charles J. Limb decidiu explorar como a improvisação “acontece” no cérebro humano.
Para isto desenvolveu uma experiência em que, através de ressonâncias magnéticas funcionais e com a ajuda de um pequeno teclado, tirava imagens ao cérebro de pianistas Jazz enquanto tocavam algo que tinham memorizado e, noutra fase, improvisado no momento. Estas imagens iriam mostrar que áreas do cérebro estariam activas enquanto se tocava algo memorizado e improvisado.
De acordo com as imagens, durante a improvisação as áreas do córtex pré-frontal lateral reduziram a sua actividade enquanto as áreas do córtex pré-frontal mediano aumentaram. Estudos indicam que as primeiras estão relacionadas com acções planeadas e introspecção, ao contrário das segundas, que se relacionam com actividades de expressividade própria. Isto significa que quando improvisamos estamos dispostos a cometer erros, a experimentar e inibimos acções que nos ”proíbem” de explorar novos caminhos.
Contudo Charles Limb decidiu realizar outra experiência em que ele e um pianista (que se encontrava na máquina de ressonância magnética) improvisavam à vez, ou seja, enquanto um acompanhava o outro improvisava durante quatro compassos e depois trocavam, e assim sucessivamente. O que se constatou foi que, durante esta experiência, a área de Broca, área associada à produção de linguagem, se encontrava intensamente activa, o que sugere algo que muitos músicos dizem: quando um músico improvisa está a contar uma história.
Aqui fica o link duma palestra TED muito interessante respeitante a este tema:
http://blog.ted.com/2011/01/05/your-brain-on-improv-charles-limb-on-ted-com/