quarta-feira, 4 de maio de 2011

A música e a teoria da selecção sexual de Darwin

A questão acerca da origem da música remonta ao próprio Darwin, que acreditava que esta se havia desenvolvido por selecção natural como parte dos rituais de acasalamento humanos ou humano-primitivos. Hoje em dia encontramos cerca de 250 pessoas em todo o mundo cujo tópico central de investigação é a percepção e cognição musicais. Entre estes cientistas, uns concordam com a perspectiva darwiniana, enquanto outros não.

A maior acha lançada para esta fogueira deve-se ao psicólogo e cientista cognitivo Steven Pinker, em 1997, quando este afirmou no seu livro How The Mind Works, com desdém, que a música não representava qualquer adaptação evolutiva, sendo meramente um “cheesecake auditivo” que se limita a excitar várias partes do cérebro de forma superiormente agradável. Os seres humanos não desenvolveram uma inclinação para o cheesecake, mas sim para as gorduras e açúcares, que foram escassos ao longo da nossa história evolutiva, desenvolvendo assim mecanismos neuronais que fazem disparar os centros de recompensa sempre que os obtemos.

A maioria das actividades fundamentais para a sobrevivência humana, como a alimentação e o sexo, são também agradáveis. Mas, segundo Pinker, nós conseguimos aprender a enganar as actividades originais e ir atingir directamente estes sistemas de recompensa, ingerindo alimentos sem valor nutritivo e tendo relações sexuais sem procriar, por exemplo. Desta mesma maneira, os seres humanos descobriram a música como um comportamento hedonista para accionar um ou mais canais de prazer. “No que diz respeito às causas e efeitos biológicos, a música é inútil. Não mostra sinais de se preparar para atingir um objectivo, como o de ter uma vida longa, netos ou a percepção e previsão exactas do mundo. Ao contrário da linguagem, da visão, da ponderação social e dos conhecimentos físicos, a música poderia desaparecer da espécie pois o nosso estilo de vida permaneceria praticamente inalterado”, afirma este cientista.

Ora, quando uma personalidade tão brilhante e respeitada como Pinker faz uma afirmação destas, a comunidade científica fica alerta, levando alguns cientistas a reavaliar a tese acerca da natureza evolutiva da música que consideravam inquestionável. Daniel Levitin, neurocientista e psicólogo cognitivo, escritor, músico e produtor, foi um dos cientistas que, tendo uma opinião contrária à de Pinker, começou a trabalhar no sentido de chegar mais perto da verdade.

No seu livro This Is Your Brain on Music, Levitin apresenta argumentos baseados na teoria da selecção sexual de Darwin, consequência da sua teoria da selecção natural, que o levam a reconhecer um importante papel da música na história evolutiva da espécie humana. Darwin definiu a selecção sexual como a “luta entre indivíduos de um sexo, geralmente os machos, pela posse do outro sexo”, representando assim o processo de escolha de características morfológicas e comportamentais que levavam ao cruzamento bem sucedido. Com aquilo que sabemos hoje, afirmamos que como um organismo tem de se reproduzir para transmitir os seus genes, as qualidades que atraem um parceiro acabarão por ficar codificadas no genoma.

A questão prende-se com “será que a música pode desempenhar algum papel na selecção sexual?”. O próprio Darwin estava convencido que sim. Na sua obra A Origem Humana e a Selecção Sexual escreveu: “Concluo que as notas musicais e o ritmo foram pela primeira vez adquiridos pelos progenitores macho ou fêmea da humanidade a bem da sedução do sexo oposto. Portanto, os tons musicais tornaram-se firmemente associados a algumas das paixões mais fortes que um animal é capaz de sentir e, consequentemente, são usados instintivamente […]”. A música pode então indicar a aptidão biológica e sexual, servindo para atrair parceiros. Darwin acreditava que a música precedeu a fala como forma de cortejar, e equiparava-a à cauda do pavão. Na sua teoria da selecção sexual, este assumiu o aparecimento de características que, em termos de sobrevivência, o único propósito é tornar-nos atraentes.

O psicólogo cognitivo Geoffrey Miller associou esta noção ao papel que a música desempenha na sociedade contemporânea. No seu livro The Evolution Of Culture, faz referência aos inúmeros casos amorosos e parceiras sexuais que personalidades famosíssimas do mundo da música tiveram, como Mick Jagger (The Rolling Stones), Robert Plant (Led Zeppelin) e Jimi Hendrix. Na verdade, o número de parceiras sexuais das estrelas rock pode ser centenas de vezes maior do que as dum homem comum.

Na selecção sexual, assim como os animais promovem frequentemente a qualidade dos seus genes, corpos e mentes, de forma a atrair o melhor parceiro, também os comportamentos humanos (como a conversação, o humor e a aptidão musical) podem ter-se desenvolvido sobretudo para publicitar a inteligência. Miller sugere que, nos primórdios da nossa espécie, tanto a música como a dança estavam bastante interligadas e quem se mostrasse bem sucedido nestas áreas, provava que tinha comida suficiente e abrigo adequado, pois de outro modo não se poderia dar ao luxo de gastar tanto do precioso tempo a desenvolver estas habilidades. É também com estes argumentos que se justifica a esplendorosa cauda do pavão: o tamanho desta relaciona-se com a sua idade, saúde e condição física global. A cauda colorida assinala que o pavão é saudável e tem metabolismo para gastar e que tem meios de sobra para investir em algo que é puramente exibicionista.

Falando da sociedade contemporânea, tanto vemos pessoas endinheiradas com grandes casas e carros, como pessoas no limiar da pobreza com os mesmos carros luxuosos. A mensagem da selecção sexual é clara: escolhe-me. Para corroborar também esta teoria, temos o facto de que o desejo pela aquisição de carros e outros objectos de valor atinge o seu pico na adolescência, altura em que os indivíduos são mais potentes sexualmente.

Concluindo, hoje em dia, o interesse pela música atinge também o seu ponto máximo na adolescência, o que justifica ainda mais os aspectos de selecção sexual envolvidos na música. É, incomparavelmente, muito mais aos dezanove anos do que aos quarenta que começamos uma banda e tentamos pôr as mãos em música nova, ainda que aos quarenta tenhamos mais tempo para desenvolver a nossa aptidão e preferências musicais. “A música evoluiu e continua a funcionar como uma forma de cortejo, maioritariamente adoptada por jovens machos para atrair as fêmeas”, afirma Miller.

Adaptado de D. Levitin, This is Your Brain on Music: the Science of a Human Obsession (Penguin Group Inc., New York, NY, 2006).

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